terça-feira, 6 de novembro de 2012

1961 - CONSTRUÇÃO DO MURO DE BERLIM


Berlim fora conquistada pelo Exército Vermelho em maio de 1945. De comum acordo, acertado pelo tratado de Yalta e confirmado pelo de Potsdam, entre 1944-45, não importando quem colocasse a bota ou a lagarta do tanque por primeiro na capital do III Reich, comprometia-se a dividi-la com os demais aliados. Desta maneira, apesar dos soviéticos tomarem antes a cidade, e também um expressivo território ao seu redor, tiveram que ceder o lado ocidental dela para os três outros membros da Grande Aliança, vitoriosa em 1945. Assim, Berlim viu-se administrada, a partir de 8 de maio de 1945, em quatro setores: o russo, majoritário, o americano, o inglês e o francês. Com o azedar da relação entre os vencedores, em 1948 as quatro zonas reduziram-se a duas: a soviética e a ocidental. Em seguida, Stalin decidiu-se por um bloqueio total contra a cidade em represália ao Plano Marshall, que visava promover o reerguimento econômico da Europa destroçada pela guerra. Todas as estradas de rodagem e de ferro que ligavam Berlim com a Alemanha Ocidental foram então fechadas pelos soviéticos na tentativa de fazer com que os aliados ocidentais desistissem da sua parte na cidade. Ou saíam ou os berlinenses morreriam de fome e frio.

A resposta norte-americana foi uma ponte aérea que durou onze meses, de 25/6/1948 a 12/5/1949, transportando milhares de toneladas de alimentos para manter os berlinenses alimentados e aquecidos. Através da Operation Vittles, o general Tunner aproveitou para um verdadeiro show de eficiência: as toneladas diárias desembarcadas nos aeroportos de Berlim saltaram de 5,4 toneladas ao dia para 7,8, sendo que em 16/4/1949 ele fez com que, durante 24 horas ininterruptas, 1.398 voos descarregassem 13 mil toneladas de carvão. Nos dois primeiros meses de operação, 100 mil toneladas haviam sido despejadas. Em vista disso, a ação soviética mostrou-se totalmente inoperante, obrigando Stalin a desistir por completo em 12/5/1949.



Ao raiar do dia 13 de agosto de 1961, a população de Berlim, próxima à linha que separava a cidade em duas partes, foi despertada por barulhos estranhos. Ao abrirem suas janelas, depararam-se com um inusitado movimento nas ruas a sua frente. Vários milicianos da RDA (República Democrática da Alemanha), com seus uniformes verde-ruço, acompanhados por patrulhas armadas, estendiam de um poste a outro um interminável arame farpado que alongou-se, nos meses seguintes, por 37 quilômetros adentro da zona residencial da cidade. 

Atrás deles, trabalhadores desembarcavam tijolos, blocos de concreto e sacos de cimento dos caminhões. Enquanto alguns feriam o duro solo com picaretas e britadeiras, outros começavam a preparar a argamassa.

Nascia o Muro de Berlim, o pavoroso Mauer, como o chamavam os alemães.



Inicialmente, o arame farpado fora substituído por uma mureta que media apenas um metro de altura. Aos poucos, cercas, guaritas, sensores de movimento, minas terrestres e cães de guarda desnudavam o lugar que simbolizaria o epicentro da ordem bipolar.

No meio tempo em que a obra se executava, vários oficias e civis notavam que aquela ação teria implicações restritivas irreversíveis. Dois dias após as primeiras obras, um oficial oriental chamado Conrad Schumann pulou o emaranhado de farpas para ser acolhido por um veículo militar da parte ocidental. Em alguns pontos onde antigos prédios serviam de extensão do muro, os civis atravessavam cômodos e janelas para fugirem para a banda capitalista.

A segregação provava que o socialismo soviético não era capaz de impor uma ampla zona de influência política entre os alemães. Além disso, enquanto o “milagre econômico” dos ocidentais se tornava realidade, o lado controlado pelos soviéticos vivia uma época de retração, o parque industrial encolhia e as condições de vida se tornavam mais difíceis.



Com a primeira linha de pedra se estendendo pela cidade, Krushev, então o chefe de Estado da URSS, mandava às favas a imagem do socialismo no restante do mundo. O paredão viera para ficar. 

Era uma aberração arquitetônica que denunciava a estética kitsch, cinzenta, burra e tosca, do comunismo soviético, ao tempo em que expunha a absoluta insensibilidade das suas autoridades maiores. Quando ele ficou pronto, seu cinturão externo, envolvendo completamente a cidade, media 155 quilômetros, enquanto que o interno atingiu a 43 quilômetros: 37 deles na área residencial. Medindo em média 3,6 m, instalaram nele 302 torres de observação e 20 bunkers, de onde os soldados atiravam em quem se arriscasse a trespassá-lo. Ao longo de quase trinta anos, os Vopos mataram 192 pessoas e feriam outras 200 que tentaram fugir através dele, além de deterem outras 3.200 suspeitas de querer evadirem-se.

Paulatinamente, o fracasso do socialismo russo foi se somando às possibilidades de desconstrução daquela obra fria e abominável. No ano de 1973, as duas Alemanhas reatam os seus laços diplomáticos. Na década de 1980, os oficiais da RDA permitiram que o outro lado fosse visitado somente após uma complicada avaliação do pedido e o pagamento de um pedágio de 25 marcos. Nessa mesma época, várias pichações anônimas e a declaração oficial norte-americana defendiam a extinção do Muro de Berlim.



No dia 29 de Junho de 1963, o presidente John F. Kennedy visitou Berlim Ocidental, apimentando ainda mais as já difíceis relações que mantinha com a União Soviética. Relações que tinham tido um começo atribulado, com o início da construção do Muro de Berlim, em agosto de 1961, e a Crise dos Mísseis, em outubro de 1962. A visita, na verdade, tinha por objetivo assegurar aos europeus em geral, mas especialmente aos alemães e aos franceses, partidários de uma resposta dura à crise de Berlim, o empenho dos EUA na defesa da Europa Ocidental.

Em cima de uma plataforma, que lhe permitia não só enxergar, mas dirigir-se diretamente ao outro lado do Muro, a Berlim Oriental, o presidente Kennedy leu um discurso memorável, com duros recados e cheio de esperanças e promessas. Seguem os trechos principais:

“Há dois mil anos o maior orgulho era poder dizer-se: Civis Romanus Sum [Sou cidadão romano]”.
“Hoje, no Mundo Livre, o maior orgulho é poder dizer-se: Ich bin ein Berliner [Sou um berlinense].”

“Há muita gente no mundo inteiro que  de fato não percebe, ou diz não perceber, qual é o grande problema  existente entre o Mundo Livre e o Mundo Comunista. Que venham a Berlim!”.

“Alguns dizem que o Comunismo é o futuro. Que venham a Berlim!”.

“Há aqueles que dizem, na Europa ou noutros lugares, que podemos trabalhar com os comunistas. Que venham a Berlim!”.

“Há mesmo uns poucos que dizem que é verdade que o Comunismo é um sistema maléfico, mas que permite o progresso econômico. Lass' sich nach Berlin kommen. Que venham a Berlim!”.

“A Liberdade enfrenta muitas dificuldades e a Democracia não é perfeita, mas nunca tivemos que erguer um muro para aprisionar a nossa população, impedindo-a de nos abandonar”.

“O Muro é a mais óbvia e clara demonstração do fracasso do Comunismo, que todo o mundo pode constatar, mas não temos nenhum prazer neste fato, porque é uma ofensa, não só contra a história, mas contra a Humanidade, separar famílias, dividir maridos e mulheres, irmãos e irmãs, dividir um povo que se quer unir”.

“O que é válido para esta cidade, é válido para a Alemanha – não se pode assegurar uma paz clara e duradoura na Europa enquanto for negado a um em cada quatro alemães o direito elementar dos homens livres, que é o de poder decidir livremente”.

A liberdade é indivisível, e quando um homem é escravizado, ninguém é livre. Quando todos formos livres, então poderemos vislumbrar o dia em que esta cidade será unificada e este país e este grande continente da Europa viverão num mundo pacífico e confiante. Quando esse dia finalmente chegar – e chegará – o povo de Berlim Ocidental poderá legitimamente mostrar-se orgulhoso de ter estado na linha da frente durante quase duas décadas”.

“Todos os homens livres, onde quer que vivam, são cidadãos de Berlim, e, por isso, enquanto homem livre, tenho orgulho em dizer: Ich Bin ein Berliner”.

Trinta e seis anos depois, os húngaros abriram suas fronteiras e, com isso, permitiram que milhares de orientais alcançassem o outro lado. Enquanto isso, a ascensão política de Mikhail Gorbachev na União Soviética indicava que o bloco socialista politicamente se esfacelava. Em 9 de novembro de 1989, a Alemanha Oriental permitiu a travessia para o outro lado. Em clima de festa, os alemães retiravam pedaços de concreto que viabilizaram uma divisão obtusa e traumática.

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